Estranho país com um “longo passado pela frente” (Millôr Fernandes) e que inaugura tendências sinistras – como esta que podemos apelidar de boçalidade do mal (como propôs Eliane Brum). Quanto mais boçal, mais viral. A CPI da covid [acesse o relatório final em PDF publicado no site do Senado Federal] parece ter dado naquela pizza, entre nós tão assada e reassada, da impunidade.
Agir como um atentado contínuo contra a saúde pública, disseminar o negacionismo e investir numa deliberada campanha comunicacional aliada da disseminação do coronavírus, segundo nosso nobre establishment carcomido pela fascistização acelerada de toda nossa elite-do-atraso, não torna o mandatário máximo do Executivo Federal alguém criminosamente irresponsável, digno de impeachment e posteriores consequências penais (prisão perpétua, p. ex.), mas capacita o sujeito… a postular-se como candidato à re-eleição?!? Porca miséria, é o fim da picada!
Adentramos um processo eleitoral com a sociedade em estado de caotização acelerada. E na versão tristes trópicos da banalidade-do-mal, vamos achando “normais” ocorrências surreais: um general que nem sabia o que era SUS ser Ministro da Saúde durante a pior crise de saúde coletiva do século 21. Normal, também, pastores evangélicos assaltando os cofres do MEC. Normal um secretário de cultura que anda armado. E um ministro do meio ambiente que só pratica etno e ecocídio. E…
Já o comandante-em-chefe deste cataclismo de fome e inflação, de precarização do trabalho e incremento assustador da miséria, segue vociferando obscurantismos em sua Twittercracia. Mantendo-nos reféns de suas bravatas de tanques e golpes. As ameaças de Bolsonaro querem comprar nosso silêncio, e estamos nos aceitando vender tão barato? Até bem pouco tempo atrás, poderíamos mudar o mundo – quem roubou nossa coragem?
Se nós, cidadãos lúcidos e responsáveis, não ainda totalmente idiotizados pela câmara de ecos do Zapistão, pelas bolhas sectárias do Faicetruke, concluirmos que Jair Bolsonaro e seu regime não passam de fruto da usurpação, do golpe de estado, da canalhice empoderada, da lógica miliciana aplicada ao Estado, gerando um necrocapitalismo genocida, então o que faremos de concreto para varrer o Bolsonarismo do palco da História? Com quantas vassouras, com quantas vozes, com quantas indignações reunidas, nos alçaremos à altura desta tarefa? Quantas mortes, quantas vidas perecidas vão cair ainda nas batalhas do porvir em prol da des-nazificação do Brasil, pela des-fascitização de nossa vida pública, pela reconstrução desta terra devastada que está sendo o único nefasto legado do bolsonarismo?
Um dos mais graves sintomas do grau de corrosão das instituições democráticas mas também do engajamento cívico neste cenário que precede as eleições é o quanto não há sinal de contestação massiva, em forma de protesto, contra a absurda candidatura à re-eleição de Bolsonaro. Qualquer sociedade que não estivesse biruta, intoxicada pelo ódio e comendo como gado o capim informacional fornecido pelo fascismo saberia perfeitamente bem que os inúmeros crimes de responsabilidade de Jair Bolsonaro não deveriam credenciá-lo a propor-se como candidato nas urnas. Ele merece ser réu em um processo penal por ter sido diretamente responsável por dezenas de milhares de mortes e infecções por covid19 no Brasil. O destino dele deveria ser o TPI de Haia por crimes de genocídio. Mas as instituições brasileiras estão ou vendidas, ou acovardadas, assistindo sem reação à altura ao crescimento exponencial do ovo da serpente de um golpe militar fascista.
A lisura das urnas eletrônicas nem deveria ser nossa pauta pública, mas também nisto o exército de bots e de minions cúmplices transtorna nosso debate público e transforma isto em algo digno de debate cívico. Nosso debate deveria ser como punir o bolsonarismo pela hecatombe sócio-ambiental que ele está causando. É perigoso o precedente de deixar impune um governante que só foi eleito pelos crimes informacionais (Caixa 2 pra financiar calúnia, difamação e discurso de ódio no Zapistão) em 2018 e que, no exercício do poder, fez da delinquência sua única virtude e que ainda precisa melhorar muito para merecer a qualificação de péssimo.
Lugar de genocida não é nas urnas, é no xilindró. Mas em meio à pervasiva boçalidade do mal, vamos, como sapos na panela que é aquecida gradativamente, aceitando conceder espaços inegociáveis àqueles que corroem e aniquilam o Estado Democrático de Direito e trabalham em prol da aniquilação da sociobiodiversidade. Bolsonaro estar com sua cara nas urnas eletrônicas já é uma derrota monumental para um país que se vê refém do milicianato impunemente delinquente, sem saber como juntar as forças coletivas que colocassem freio em tamanho descalabro de injustiça e opressão.
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Vladimir Safatle no UOL: “A verdade é que muitos de nós insistimos que não havia outra coisa a fazer do que lutar e exigir o impeachment de Bolsonaro o mais rápido possível, antes do processo eleitoral, pois justificativas não faltavam, seus desejos de ruptura institucional nunca precisaram ser escondidos. No entanto, em nome do respeito institucional e da recusa em fazer o país para por mais outro “trauma”, estamos agora diante de um trauma que chega até nós em câmera lenta….”
Paulo Kliass, “Bolsonaro: Tragédia e Estagflação”: “Esperamos todos que essa terrível sucessão de desgraças seja interrompida a partir dos resultados das eleições marcadas para outubro próximo… No entanto, enquanto o pleito não chega, o ex-superministro Paulo Guedes e seu chefe seguem em seu plano de demolição da nossa economia e da nossa sociedade.” @outraspalavrasbr / arte @cartunista_das_cavernas (1)
Publicado em: 09/05/22
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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